terça-feira, 22 de junho de 2010

A gente vai levando

“Mesmo com toda fama, com toda Brahma, com toda cama, com toda lama, a gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando essa chama, mesmo com todo o emblema, todo o problema, todo o sistema, todo Ipanema.”
Chico Buarque e Caetano Veloso

Quinta-feira, 17 de junho de 2010. Euforia na copa do mundo. Saí para encontrar a professora da disciplina de didática do curso de Gastronomia da Faculdade Quixeramobim. A Sra. Marieta.Velhinha sabichona. Podia ter me expulsado do seu ventre na sala de aula no ano de 1981.

No caminho de volta para casa, tem sempre um bar. Todo homem tem pelo menos uma fraqueza. Aquiles foi abatido pelo calcanhar e eu fui seduzido pelo bar.

Da lama ao caos, do caos à lama. Olhei para o cardápio e lembrei-me de Chico Science. Caranguejo toc-toc. O Sr. Jesus, proprietário do bar, lamenta não poder servir caranguejo com martelo e tábua de madeira. A vigilância sanitária proíbe. A coisa aqui tá preta! Continuei bebendo; também sem cachaça niguém segura esse rojão.

Todo dia tomo cerveja no botequim que vende comida do sertão nordestino. O propietário, Sr. Jesus, tem tatuagem no braço e dourado no dente. Às vezes, me diz que é do norte. Eu digo que é por isso que a comida dele é boa. Por fim, me diz que é do norte de Portugal. A piada é pronta, mas eu gosto do velhinho.

O Sr. Jesus está no Brasil desde a década de 1950. Chef de cozinha. Especialista em peixes e frutos do mar, porém ganha a vida com carne-seca e macaxeira. Cada um carrega a cruz que suporta. Seu bar fica no bairro de Santa Cecília, reduto nordestino de classe baixa. Por que vender peixes e frutos do mar? Esperto é o gato que nasce de bigode.

Na quinta-feira , ele estava empolgado. Normalmente, a nossa conversa não sai da piada do norte e de seu interesse pela satisfação do cliente. Dessa vez, contou-me sobre seu passado. Falou-me da primeira esposa, já falecida. Lágrima nos nossos olhos. Não esqueceu da atual esposa. Garantiu-me que ela atravessa o mar com um Sonrisal na mão. Me apresentou seu filho. Trabalha no boteco do pai como balconista. Contou-me com orgulho sobre sua filha. Doutora em medicina nos Estados Unidos e esposa de um tetraplégico. Ora, lata d’água na cabeça também dói, queixou-se.

A história sobre a festa de aniversário de quinze anos da filha tomou parte da noite. Recordou-se da época de fartura na sua casa. Disse-me que a vida está muito cara. Nos anos de 1970, patrocinou uma festa do Havaí para duzentas pessoas por cinco mil dólares. Hoje, só o técnico de som e iluminação custa quase isso. Tem razão o Sr. Jesus: o mundo tá caro e chato. Apesar das reclamações, disse-me que não quer morrer tão cedo. Sujeito forte. Adora o seu bar e a sua casa na rua Augusta. Olhos azuis. Devia ser um lindo rapaz. Hoje, desgastado pelo tempo. O tempo vai contra ele, e mesmo assim...

Persistiu nas recordações. Contou-me sobre sua chácara na serra da Cantareira. Perdeu-a em corridas de cavalo. Na época, alugava a chácara para filmes pornôs e para o cine trash de Zé do Caixão. Sem contar as farras que fazia nos fins de semana vago. Ambiciona passar as férias em Portugal. Pensa em abrir outro bar. Dessa vez, ele quer cozinhar peixes e frutos do mar. Embora não tenha mais prazer em cozinhar. Confortei-o dizendo que o maestro Tom Jobim, no fim da vida, não aguentava mais escutar música. Ele sorriu, abraçou-me e não quis que eu pagasse a conta.

Hora de fazer

Vá ao boteco mais próximo de sua casa ou de sua preferência. Peça uma cerveja gelada e converse um pouco com o dono do estabelecimento. Leitor, você irá emocionar-se ou decepcionar-se com a vida.

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