quarta-feira, 12 de maio de 2010

O dia em que a terra rodou!

“O empregado não saiu pro seu trabalho
Pois sabia que o patrão também não tava lá
Dona de casa não saiu pra comprar pão
Pois sabia que o padeiro também não tava lá
E o guarda não saiu para prender
Pois sabia que o ladrão também não tava lá
e o ladrão não saiu para roubar
Pois sabia que não ia ter onde gastar.”
Raul Seixas e Claudio Roberto

Santiago do Chile, 27 de fevereiro de 2010.

O bairro de Santa Lucía silenciou na madrugada. Os boêmios viram seu copos estilhaçados no chão. Meu leito sacudiu, me enrosquei no lençol, sem nenhum aviso: a terra girou. Parecia um sonho, mas o tremor me acordou, meu corpo chacoalhava do cox até o pescoço. Os hópedes da casa velha em que eu estava desceram a escada como cavalos galopantes, muitos sós com a roupa de baixo... por sorte, havia um parque em frente à hospedaria! Segundo os chilenos, era um lugar seguro, não tinha teto não tinha nada que desabasse sobre as nossas cabeças. Fomos, então, para rua, nus com as mãos no... Ah! não havia bolsos.

O dia amanheceu nebuloso, pensei em passar a vista no jornal para saber o que havia pertubado o meu sono, mas o entregador dos periódicos não passou por lá. Os estrangeiros que ali estavam, inquietos, murmuravam os possíveis acontecimentos da madrugada anterior. Queríamos saber afinal o que havia nos aterrorizado.

O corpo vazio não para em pé. Antes que a energia acabasse, corremos em busca de comida. O bairro de Santa Lucía é gastronômico e é evidente que é um bom lugar para desfrutar um almoço, mas as coisas não correram como imaginávamos. Tudo estava fechado. O restaurante preparava as deliciosas reinetas, peixe típico da costa chilena; a pequena venda servia empanadas assadas; o resto-bar (nome dado a restaurantes e bares do Chile) vendia a melhor cerveja do país: a Kustamann. Isso segundo a opinião da pessoa sedenta que vos fala.

Depois de horas caminhando pelos escombros da capital, encontramos uma tenda que vendia bebidas, cigarros e salgados industrializados. Na hora do apuro, esses suprimentos nos salvaram. Embora a recomendação fosse contrária, a atitude tomada pelo grupo foi outra: voltamos à hospedagem. As paredes rachadas podiam desabar! Estávamos alertas, e, a qualquer tremor, desceríamos novamente... desta vez com as mãos no bolso.

Queríamos celebrar a vida e despedirmo-nos... por enquanto! Dez garrafas de vinho: 3 brasileiros, 2 japoneses, 3 espanhóis e 2 americanos: a medida certa para um dia de temor! Alguns maços de cigarro, risos, abraços e hinos nacionais... A terra chacoalhava novamente, mas estávamos despreocupados. HEINEIKEN: era o hino que celebrou a vida de um grupo ainda jovem que têm motivos para comemorar!

Dedico à memória dos mortos pelo terremoto no Chile no dia 27 de fevereiro de 2010.

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