quarta-feira, 12 de maio de 2010

Pescada sem cabeça ensopada

“Dei um gole no meu wisky sour, apaguei meu cigarro na tábua de cortar e assisti um inseto tentando sair do ralo.”
Raymond Chandler


Cortei a pescada em quatro partes. Lembrei-me de Jack, “o estripador”. Habilidade igual a dele me faltava. Necessitava remover a barrigada dos peixes com a ponta da faca. Sem deixar vestígio. O crime perfeito.

Era verão em São Paulo, as baratas passeavam pela cozinha suja. Só a fumaça do cigarro disfarçava o mau cheiro. No dedo, um corte profundo. Aproveitei o sangue para colorir o molho à base de legumes.

Saí para comprar folhas de louro e mais cigarros. Abri a porta do prédio e tropecei em um mendigo. Não adiantou pedir desculpas, ele estava incosciente. Robei-lhe o litro de cachaça que abraçava com força. Caminhei em direção ao mercadinho do bairro. Escolhi um lindo maço de louro. Faltavam-me alguns centavos para a compra. Deixei o louro e levei o cigarro.

Voltei para a casa. Olhei para a tábua. Avistei mais baratas. Rasguei a receita do peixe. Não tinha louro, não segui a receita! Fritei o alho, a cebola, o tomate. Coloquei a água e mergulhei os peixinhos. Agora, me sentia tranquilo. Os peixes não estavam mais fora d’ água. Um gole de cachaça. Um trago no cigarro sabor menta. O caldo estava em ebulição na caçarola desgastada pelo tempo. Precisava engrossá-lo. Apliquei o método francês: farinha e manteiga. Era o que me restava. Abri o jornal, enquanto o caldo engrossava. Passei a vista no caderno de gastronomia. “Inaugurado em abril, o francês Dumas, do chef Baratin, é o exemplo mais bem acabado de restaurante bistronômico em São Paulo”.

O peixe estava pronto. Coloquei-o no prato sobre o velho caixote de frutas e me sentei no chão forrado pelo jornal que acabara de ler. A falta do louro não prejudicou a receita. A velha técnica francesa funcionou. As baratas continuaram sobre a tábua. Espiei pela janela e o mendigo continuava na porta do prédio. Parece-me que nada mudou...







Pescada sem cabeça ensopada
Hora de fazer
4 pescadas sem cabeça
1 cebola e meia
1 tomate
6 tomates cereja
5 dentes de alho
1 colher de sopa de molho de tomate processado
Um toque de pimenta calabresa
3 ramos de dill ou endro (erva aromática)
½ limão siciliano
Uma colher ( sobremesa) de farinha de trigo
Uma colher ( sobremesa) de manteiga
Um toque de sal


Corte a pescada em quatro partes. Tempere-as com sal, pimenta calabresa, dill rasgado grosseiramente e limão siciliano espremido. Reserve-a na geladeira coberta com papel filme por 1 hora. Corte o tomate em rodelas grossas, a cebola igualmente e o alho em lâminas. Aqueça uma caçarola com óleo vegetal e frite a cebola, o alho, o tomate e por fim os tomates-cereja inteiros. Coloque as pescadas e cubra com água. Deixe apurar em fogo médio com a panela tampada por 10 minutos. Acerte o tempero se necessário. Em uma frigideira, derreta a manteiga e misture a farinha. Coloque a mistura no molho e deixer cozinhar por 5 minutos. Para acompanhar sirva com arroz branco.
Aproveite as cabeças dos peixes para fazer um caldo à base de legumes.

Bibliografia

CRICK. Mark. A sopa de Kafka: uma história completa da literatura mundial em 14 receitas. São Paulo: Argumento, 2009.

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